Desde o início da pandemia, através da decretação do estado de calamidade pública, via Decreto Legislativo nº 06, em 20 de março de 2020, verificamos que um dos setores mais afetados pela restrição de atividades foi o setor de cultura e turismo.
Tais setores contam quase que exclusivamente com a mobilidade de pessoas, de modo que a restrição de circulação acertou em cheio a consecução dos serviços deste setor.
Diante disso, é que inúmeras dúvidas surgiram, á época, acerca da possibilidade, ou não, do cancelamento de tais serviços, bem como acerca de devolução de valores já adiantados pelos consumidores, e também, acerca de cobrança de multas contratuais pelos prestadores de serviço, diante do possível cenário de caso fortuito e força maior.
Neste sentido, é que o governo federal, em 08 de abril de 2020, editou a Medida Provisória 948, dispondo sobre os trâmites para que o consumidor e fornecedor pudessem se resguardar frente ao cenário que se criava. Tal MP dispôs sobre o cancelamento destes serviços, bem como reservas e atividades relacionadas ao setor de cultura e turismo, visando, ainda, dar clareza para a resolução de impasses, minimizando os efeitos da pandemia, tanto na ótica dos consumidores, quanto dos prestadores de serviço de tal setor.
A MP determinava, entre outros aspectos, que por ocasião do cancelamento dos serviços e eventos, o fornecedor não estaria obrigado a reembolsar os valores já pagos pelo consumidor, contato que viesse a remarcar ou reagendar o evento anteriormente afetado pela pandemia, e assegurasse a realização deste em iguais condições anteriormente já fixadas, e, somente em caso de impossibilidade ou na ausência de realização do serviço contratado, é que o prestador de serviço estaria obrigado a restituir valores aos consumidores lesados, reembolsando-os no período de 12 meses, a contar o fim do estado de calamidade pública, vide Decreto Legislativo nº 06, citado anteriormente.
Ainda, a MP deixou claro que as relações de consumo atingidas pelos cancelamentos e readequações de agenda etc., seriam tidas como hipótese de caso fortuito ou força maior, não ensejando danos morais, aplicação de multa, e outras cominações decorrentes do Código de Defesa do Consumidor.
A MP restou prorrogada por mais sessenta dias após sua primeira edição, de modo que sua vigência fluiu até o dia 08/08/2020, de modo que, após tal interregno, o governo federal optou, em 24/08/2020, proceder à conversão em lei da dita MP.
Com a conversão, restou promulgada a Lei Ordinária nº 14.046 de 24 de agosto de 2020, que dispõe sobre o adiamento e o cancelamento de serviços, de reservas e de eventos dos setores de turismo e cultura em razão do estado de calamidade pública, reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 06 de 20/03/2020.
Essa Lei trouxe para o ordenamento jurídico algumas intervenções para preservar os fornecedores na realização dos eventos, bem como resguardar os direitos dos consumidores, na garantia de seus direitos fundamentais.
Da leitura da Lei, se verifica que boa parte da MP 948 foi replicada, com algumas ressalvas, que julgamos importante ressaltar.
Conforme o artigo 2º, da Lei 14.046, na hipótese de adiamento ou cancelamento por conta de calamidade pública, não há necessidade reembolso por parte do fornecedor, desde que este ofereça o reagendamento do evento, ou conceda crédito para o uso junto à empresa prestadora de serviço.
Em havendo reagendamento, a nova data do evento poderá ser selecionada em até 18 meses após a decretação do fim do estado de calamidade, cuja previsão inicial de encerramento se estima para o 31/12/2020.
No caso de reembolso, este ocorrerá apenas na impossibilidade de realização das duas opções acima, o reagendamento, ou concessão de crédito. Tal reembolso poderá ser pago em até 12 meses após a decretação do fim do estado de calamidade.
Ainda, em ocorrendo o reembolso, e já havendo sido realizado parte do serviço contratado, por exemplo, agenciamentos ou intermediações dos serviços contratados, o fornecedor poderá proceder ao desconto destes valores quando da devolução do dinheiro do consumidor, no prazo de 12 meses, igualmente.
As mesmas regras citadas são igualmente aplicadas à empresas que contratarem artistas ou produtores culturais para participação em seus eventos.
Importante destacar, ainda, que ocorrendo o reagendamento do evento, e no dia reagendado, ainda não houver sido decretado o fim do estado de calamidade, poderá ser novamente aplicada a regra de reagendamento inicialmente firmada, nos mesmos moldes já citados.
Por fim, o texto da Lei ainda destaca que os cancelamentos ou adiamentos dos contratos aqui tratados são considerados casos fortuitos ou de força maior, de modo que não são cabíveis danos morais ou aplicação de multas ou penalidades às partes, por conta destes cancelamentos ou desconfortos gerados na resolução de tais impasses.
Desta forma, se entende que a conversão da MP 948 na Lei Ordinária 14.046 é oportuna e trata diretamente da resolução das demandas afetadas pelo setor de turismo e cultura, e preserva os direitos dos fornecedores em continuar com a prestação do serviço ora contratado, sem necessidade de cancelamento imediato dos contratos vigentes, bem como resguarda os direitos dos consumidores, garantido aos mesmos que estes mantenham seus direitos perante o estado de calamidade pública hoje vivenciado.
Assim, é importante que se tenha em mente, tanto por parte dos fornecedores, quanto por parte dos consumidores, atenção às regras estabelecidas pela Lei 14.046, de modo que se apresente uma resolução coerente aos inúmeros impasses que ocorreram e certamente ocorrerão até o final do delicado momento em que se vivencia em nossa sociedade.
Logo, caberão às partes que se sentirem lesionadas, buscarem, através de orientação jurídica própria, os meios adequados à resolução das questões acima levantadas, tanto de forma reativa, como preventiva.